Minha redação do feriado: “Uma semana nada santa”

Esse post faz parte de uma sequência/ saga de 5 compactados em 4, pra não abusar tanto da paciência alheia. Quem tiver coragem de acompanhar, fica o convite!

🌹
A tia Beth (Elizabeth canivete, cai no fogo e não derrete, vou contar pra dona Arlete que você chupou chiclete lá na rua da charrete) professora de literatura da 5a série C, me chamou pra ler a redação lá na frente da turma.

O tema era: Como foi sua semana santa? Eu adoro quando isso acontece, mas que dá tremedeira dá. Fiz cara de confiança, dei um grau na voz e comecei:


Parte I

A minha semana santa foi intensa e cheia de boas descobertas. Na sexta feira fui almoçar no Horizontes e matar a saudade do mar de montanhas da serra da moeda. É uma vista de encher o peito e agradecer a nossa mineiridade. A casa está transformada, bonita e profissional. A equipe usa aqueles microfones da Madonna que eu acho um luxo. Fomos muito bem recebidos e atendidos. Experimentamos pão de queijo com pernil, queijo Gouda empanado e sopa de cebola com queijo mineiro. Perguntar pra um mineiro se ele gosta de queijo é uma espécie de pleonasmo.

De principais carne serenada com risoto de banana e cassoulet mineiro. Demorou demais. Explicaram que houve um problema com a impressora e realmente podia se ver que os agentes da CIA estavam meio agitados, como se “águia solitária” estivesse em perigo. O risoto bem gostoso, mas a carne incomível. Salgada e esturricada, a minha e do adolescente e quando o adolescente não come uma coisa é porque geralmente essa coisa não se destina a esse fim; tipo uma telha ou um caco de vidro.

O cassoulet estava bom de sabor, mas descuidado na execução. Feijão cozido demais, naco de bacon meio cru, linguiça estourada… Sabe quando dá aquela embolada geral e tudo sai meio do ponto? Pois é. Eu gosto de cozinhar e sei que as vezes dá ruim. Entretanto, porém, todavia, contudo; (caprichando na listinha dos advérbios pra ganhar pontos com tia Beth) o lugar é bonito por natureza, os preços são muito, muito bons. As porções são fartas e o cardápio tem poesia de Guimarães Rosa.

Fomos embora incomodados, sabendo que poderíamos ter recebido mais. Acreditando que existe ali “um lugar onde eu possa encontrar a natureza, alegria e felicidade com certeza”.

E continua…


Parte II

“A essa altura todos na sala de aula já suspiravam profundamente durante a leitura da minha redação (tia Beth nas tamancas, arrependida que só), já cientes da minha total incapacidade sintética. Eles desconhecem minha astúcia, entretanto; eu não estava nem no início da conversa. Fiz minha cara blasé habitué e continuei a ler:”

No sábado fui conhecer o Grande Hotel Ronaldo Fraga e já cheguei pondo o lencinho pra jogo. Passei minha infância com a vista do meu quarto enquadrada naquela casinha charmosa que hoje abriga o multi espaço desse estilista genial. Não há rímel waterproof que segure essa onda.

Quando abre o portãozinho você entra num filme de época, os móveis, o cheiro, a decoração e a radiola tocando Nelson Gonçalves. Difícil descrever tanto bom gosto, tanto detalhe, tanto saudosismo da melhor qualidade. Uma gente elegante nos recebeu com a informalidade e gentileza que se trata visita querida.  Escolhemos uma mesa redonda ao pé da escada, numa espécie de pequena copa; assim a gente tinha uma visão mais ampla e podia namorar os ambientes.

De entrada camarões com catupiry (nem muito, nem pouco, mas na medida) empanados na massa mais crocante e fininha que já experimentamos. Disse o marido que ocupou o primeiro lugar na lista de camarões empanados dele, e isso é uma honraria tremenda porque nunca vi elenco tão dinâmico. Pra ter a noção do exagero de bom, depois dos principais pedimos a entrada de novo (ok, talvez os exagerados sejamos nós).

Eu fui de ravióli de raspas de requeijão, o consorte de bobó de camarão. Pra rimar e ficar cafona, porque é assim que se vive um grande amor. O bobó vem numa torre de vasilhames encaixadinhos, uma espécie de assinatura da casa, cada porção separadinha e com uma elegância típica da gente de lá. Bom + bom! Pouca quantidade para o meu padrão broquinha de ser, mas dizem que gente de classe come pouquinho; preciso aprender isso e a rezar o terço também porque recentemente tomei um esculacho da vó Olga.

A gente foi embora cheio de vontade de assistir vale a pena ver de novo jogado no sofá, com um olho aberto outro não; de escrever um versinho e tomar banho de mangueira, de “desejar bom dia ao português da padaria” e depois ler Guimarães Rosa balançando na rede enquanto o pé faz carinho no cachorro (Otávio, pra quem não conhece). Bateu uma vontade grande de fazer todas essas coisas tão bobas, mas que têm uma capacidade mágica de encher a nossa vida de vida.


Parte III

“É desnecessário comentar o clima de animosidade geral que tomou conta da sala de aula quando anunciei a sequência. Fiz uma careta mental e continuei a ler minha redação sem me intimidar. Tia Beth corrigia algumas provas pra sublimar o fato de ter me escolhido para ler na frente.”

De noite peguei o boy (que era consorte, mas agora precisava de um upgrade) e fomos embarafustar no Birosca S2. A gente já tinha ido, mas tenho visto no Instagram que a galera de lá anda fazendo arte. Cada criatividade criativa que dá gosto de vê. Bora experimentar!

Achei a casa mais bonita, mas continua charmosamente kitsch, grazadeus. Mais tarde rolou um piano e o músico de estilo meio bicho grilo, recebeu o espírito do Liberace ali, no instante que começou a tocar. Cata lencinho, duas fungadinhas e retoca o gloss.

As entradinhas eram poéticas e convidativas, escolhemos a “Primavera na Montanha”. Ele pela composição do prato mesmo, eu porque lembrei de Bebel em Paraíso Tropical tentando não dar pinta e repetindo a frase “que boa ideia esse casamento primaveril em pleno outono!”. Quem nunca? Claro que passei a noite recebendo assim como o pianista, o exu de Bebel, com muita catigoria.  O prato era uma pot-pourri de sabores: patê de fígado, geleia de jabuticaba, babaganuch  de jiló e queijo azul em cima de uma telhinha de polvilho que na minha terra a gente conhece por coscorão. Muito inusitado como o casamento (hahaha) e bem gostoso. As proporções poderiam melhorar, menos fígado, mais queijo por exemplo.  Apesar de muito fartas pela nossa e dos vizinhos, achei o valor das entradas salgado, tudo girando em torno de R$50. Tinha prato principal com o preço mais camarada, boiei nessa parte.

Bebel resolveu pagar de grã-fina e foi logo pedindo uma torta de camarão pra se jogar. O prato é uma torta fake (já que tá na moda, né?) feito com camarões bem taludões num creminho cremoso (tá, parei de criancice) de abóbora e catupiry. Na capa uma massa folhada muito saborosa. Serve duas pessoas padrão broca e broco com muita satisfação, R$112. Saímos pela estrada afora bem contentes e com o único objetivo de chegar vivo em casa com nossa boca bem grande.


Parte IV e V

“Voou um ovo, mas eu desviei a tempo. Continuei impávida:”

Eis que chegou o domingo e com ele o espírito de renovação que a páscoa nos traz! Nesse momento escuto alguém dizer lá no fundo “bem que podia tratar de renovar era o nosso saco”, ignoro com um certo temor.  Resolvo agregar a parte IV à V antes que o risco aumente.

No domingo fui “brunchar” no Mercado Grano e encontrei uma alma de brunch presa num corpo de café da manhã. Uma mesa de bolos, pães, frios e frutas, três sucos (sem laranja, será que secaram a produção?) e café. Pra pedir na hora tapioca e ovos mexidos. Sem mimosa, sem prato quente, sem abacate e sem conversa arrastada, de 9 horas a meio dia; sem emoção e sem muita graça por R$65 a cabeça.

Levanto os olhos e vejo uma expressão de aprovação na velocidade 8 que eu imprimi à leitura. Respiro aliviada, isso me garantirá alguma sobrevida.

Meu brunch que virou um café da manhã frustrado ainda me trouxe outro aperreamento, não tinha fome suficiente pro almoço, mas sabia que não chegaria viva até o jantar. O jeito foi partir praquilo que a gente já nasce sabendo e sair pra butecar. Assim que de tardezinha fomos ao Nicolau que eu ainda não conhecia, mas o comparsa já tinha dado as caras por lá.

O lugar ficou de uma boniteza só e tem neon! Se tem neon eu já gosto de graça. Resolvemos descer a boca e colocar a capacidade de dilatação estomacal à prova novamente. Para abrir tempurá de quiabo. Quiabo não consegue ficar ruim, mas o tempurá achei meio fraco e o molho líquido. Vieram os pasteizinhos de queijo do Serro (que o adolescente pronunciou “Sérro” e depois nos odiou por corrigi-lo na frente do garçom), croc-croc, hulalá!

Molha o bico na cerveja agora bem gelada, e prepara pro espetinho de coração de pato com farofinha de pequi. Que pato, que ponto! Confesso que deu um início de confusão na divisão da porção, mas parou quando alguém ameaçou com o espeto.

Aí veio a barriga de porco de que confesso não ser muito fã, talvez por já ter o item em quantidade mais que suficiente na minha composição corporal, mas com essa eu virei a casaca. Putzgrila, se todas barrigas fossem iguais à sua, Nicolau… o mundo não seria um lugar tão mau! Tá, desculpa. Mas às vezes a gente emociona, pô!

Firma os cascos e vamos pro sablé de flor de sal, abobrinha e queijo de cabra. Nessa hora fiz bem o meio de campo e marquei no mano a mano. Mandei o adolescente tomar vergonha na cara porque nunca gostou de abobrinha e limitei as investidas. O placar final com a ajuda de Deus foi um jogão. Então a fanfarrona pediu pra sair, mas o adolescente talvez traumatizado com a tímida degustação imposta ainda teve envergadura pra pedir um sanduíche; Flango Flito, assim mesmo em cebolinês, era o nome do dito cujo: coxa e sobrecoxas empanadas, laqueadas no melado picante, cebola roxa, alface tomate e maionese de alho.  Degustação trocada não fere, dei uma mordida com afinco e pude decifrar os grunhidos emitidos pelo jovem. Que ficou poeta depois desse episódio e veio com essas duas pérolas para fechar essa semana sem pudor. A primeira, no tocante ao sanduíche ainda:

– “Essa maionese deveria se chamar toque de Midas porque transforma em ouro tudo que toca”. Eu pari um poeta!

A outra definição é de cunho mais existencial mesmo, já de volta pra casa com aquele sentimento de gratidão que nos acomete quando a pancinha tá carregadinha:

– “Mãe, às vezes eu agradeço muito a Deus por ser mineiro, já pensou que eu podia ser igual ao meu amigo Marcos lá de Piracicaba e sair para comer “um lanche”.

Quaquaquaquaquaquaquá… todo meu respeito aos mano, mas o menino pegou o espírito da coisa! –

Eu termino de ler minha redação (saga) finalmente e estou pronta pra a glória eterna e os aplausos efusivos. Percebo que só restou eu, eu mesmo e nem a Irene. Finjo que não ligo e falo sobre pérolas aos porcos. Pô, pelo menos a tia Beth tinha que ter ficado até o final, aí virou esculhambação geral!

Deixe um comentário