O Albanos não é mais aquele, o que é que a gente…
O Albanos não é mais aquele, o que é que a gente faz com ele?
Lembro de quando era jovenzinha, no século passado em que os adolescentes podiam comprar bebida alcoólica e cigarros sem precisar falsificar a carteira de identidade ou passar a incumbência para um amigo mais velho, a enorme fascinação que eu nutria pelo Albanos. Era um casarão imponente à rua Pium-I que nesta época remota, nem sequer se assemelhava ao considerável point no qual se transformou hoje.
O Albanos era o templo do prazer, da dança coreografada de tulipas cintilantes, de sorrisos largos e encontros mágicos. Santuário da esbórnia naquilo que ela traz de melhor: o excesso! Quem acredita plenamente que a moderação é a chave da existência e nunca viveu uma noitada louca, tem o direito de pedir bis na outra vida. Meu palácio do hedonismo com perfume de luxúria, me hipnotizava e despertava em mim tal como em um outro canalha espirituoso, os instintos mais primitivos.
Era com o respeito e a devoção de quem sempre foi dada a vícios e desenvolveu uma relação estável com a libertinagem, que eu frequentava aquele lugar, minha Pasárgada aonde eu era amigo do rei.
Dia desses, ao me levantar e a coluna assumir vida própria, inconvenientemente me lembrando dos anos que se amontoam na cacunda, um sentimento misto de revolta e síndrome de Peter Pan me arrebatou e decidi revisitar meu passado traquinas.
Era domingo e a ousadia que gritava dentro de mim intimou o marido que fez cara de quem não está entendendo nada, mas tem juízo suficiente para não discordar, e então decretei: hoje não tem almoço! Almoço de domingo é coisa de velho. Vamos aos Albanos encher a cara no chope e degustar os mais aguerridos petiscos. Dito isso me senti imediatamente o sapo, aquele que caiu na lagoa.
Chegamos e o coração começou a bater forte, coração de xóvem, pô! Mal nos acomodamos e já fui, abruptamente tragada da minha fantasia pueril. Fui sugada pelo abissal ralo da realidade que insistia em acender pra mim, como um enorme letreiro de neon de motel de beira de estrada insistentemente piscando o alerta: pare aqui!
Impossível não perceber o que fizeram com você, meu Albanos querido! Mesas com famílias e mais famílias numerosas, famintas e barulhentas a almoçarem. O fundo musical era choro de criança. O do salão foi transformado em um espaço kids improvisado com placas de EVA sujas e brinquedos surrados espalhados pelo chão.
O atendimento simpático e cordial, o chope tantas vezes premiado continuava saboroso, os petiscos embora limitados eram gostosos e baratos (uma necessidade de famílias com muitos membros) e muito bem servidos; sim, em odiáveis porções familiares. Pedimos um pastelzinho frito cuja promessa era vir meio a meio e alguém por descuido mandou só de carne (era tudo tão broxante que não ouve a menor menção de protesto) e uma porção que alimentava uma trupe de circo mambembe de fish and chips (iscas de Tilápia empanadas na farinha Panko, sequinhas e com um tempero muito bom acompanhadas de batatas fritas, murchas como nós).
Tentei fazer o tio do pavê para elevar a animação. Não deu, a causa era justa, mas tudo tem limite. Encenei a minha melhor versão de Serginho Groisman fala garoto de ser, mas o calor insuportável só terminava pra completar o desastre do meu não-almoço no covil dos almoços. Achei que se tratava de uma espécie de menopausa precoce, mas o marido confirmou que meu calor não era um privilégio exclusivo.
Pedi ao garçom gracinha que fizesse a gentileza de ligar o ar e ele volta me dizendo que estava ligado, que não estava era “dando conta” mesmo. Com a parca visão que me resta, lancei um olhar de viés para o controle digital que ele trazia na mão e a temperatura indicava 29ºC. Rapaz, olha isso, vocês estão fritando a gente!
Resolvido o problema da minha menopausa fantasmática, de tudo o que restou foi essa impressão: descuido. Uma casa de ninguém! Um lugar que nada tem a ver com diversão e alegria. Meu templo se transformou num lugar tedioso, cheirando à cartão de ponto no qual as famílias se encontram burocraticamente para almoçar e tratar de resolver o seu problema instintivo de fome.
Não me levem a mal, por mais que eu tenha curso de zona, não condeno de maneira alguma a família da qual se sofre. É uma instituição necessária e que segura as barras da gente. Mas, uma coisa que nunca pôde ocupar o mesmo lugar na lógica do mundo é o familiar e o boêmio. São água e óleo; quem é do lar não pertence ao bar, de acordo Marcela?
O sorriso no meu rosto se desfez por completo. Tão amarelo quanto o teto cansado, as conservas de pimenta desbotadas que ornam o balcão cuja vitrine expõe revistas, talvez de alguma publicação dos tempos gloriosos, mas tão ensebadas quanto as do consultório do meu dentista.
O marido, o ultimo dos moicanos, tentou colocar a culpa no chope que de fato não estava tão gelado (lembro da porra do ar quente) e, lançando mão da ultima faísca de boa vontade que trazia no peito, pede uma Margarita. Trouxeram uma limonada pálida, tristemente acomodada numa taça de Martine. Se até a Tequila não conseguiu nos salvar não convém esperar pelo Chapolin.
Derrotados, decidimos que estava na hora de acabar com nossa aventura e trocamos promessas de deixar o saudosismo no passado, que é o seu lugar de pertencimento. Saímos jururus e resignados. Ao passar pela varanda a caminho do carro vejo uma babá, impecavelmente vestida de branco (babás aos domingos contam pontos extras na lógica de status da nossa amada TFM) picando uma carne e alimentando um garoto de cerca de oito anos. Me solidarizei com ela, trocamos um sorriso débil e fui pra casa dormir e ver se sonhava.